Avelino Ferreira, 63 anos, brasileiro, casado, sete filhos, sete netos. Jornalista; escritor; professor de Filosofia.







segunda-feira, 2 de abril de 2012

O golpe e o discurso do Brizola para a resistência que Goulart não quis

O golpe militar de 1º de abril de 1964, apoiado pelos EUA, começou na tarde/noite anterior, dia 31 de março, quando o governador mineiro, da UDN, o banqueiro Magalhães Pinto, apoiado pelos governadores de São Paulo, Ademar de Barros, Rio Grande do Sul, Ildo Meneghetti, ambos do PSD, e da Guanabara, Carlos Lacerda, também da UDN, decide pelo golpe.


O general Olímpio Mourão Filho lança um manifesto golpista, dirigindo suas tropas de Juiz de Fora, para o Rio de Janeiro, onde Castelo Branco, chefe das Forças Armadas, conspirava abertamente para depor o governo federal. As tropas enviadas pelo Ministro da Guerra para combatê-lo aderem ao golpe (por ordem de seu comandante, ainda que muitos soldados e sargentos desertem para resistir), bem como as do até então amigo de Jango, Amaury Kruel, sediadas em São Paulo.

Registre-se que a Guanabara ainda era a caixa de ressonância do Brasil, embora desde 1960 não fosse mais a capital da República. Por isso, as tropas marcharam sobre a Guanabara. Jango, sem clima em Brasília e no Rio, vai para o Rio Grande do Sul, onde Brizola estava preparado para resistir, com apoio do III Exército, sob o comando do general legalista Ladário Telles.

Bastava uma ordem de João Goulart para a resistência. Jango, porém, temendo uma guerra civil e sabedor do apoio armado dos EUA ao golpe, preferiu evitar “derramamento de sangue”. Até a sua decisão, Brizola, baseado na Prefeitura de Porto Alegre, governada pelo trabalhista Sereno Chaise e usando a Rádio Farroupilha, como em 1961, tenta reeditar a Cadeia da Legalidade.

Abaixo, uma pérola. O último discurso de Brizola antes da fuga ara o interior do Estado e, depois, para o Uruguai. Era 1º de abril:

“Ainda não correu bala! Ainda não se deu um tiro! Os gorilas têm vencido até agora e progredido como aqueles que são hábeis jogadores de xadrez, com seus punhos de renda. Mas, de agora em diante, nós iremos ver quem realmente tem fibra e tem raça. Na hora de correr bala, na hora do cheiro de pólvora, nós iremos ver a covardia dos traidores e dos golpistas. Neste momento, entra em cadeia, em conexão com a Rede Gaúcha da Legalidade a Rádio Nacional de Brasília e centenas de emissoras pelo Brasil afora.

Gorilas, gorilinhas e micos de toda espécie! Golpistas e traidores! Agora é que nós vamos ver quem é que tem banha para gastar! Mas a nossa resposta, a resposta do povo gaúcho, a resposta do povo gaúcho ao tartufo Ademar de Barras, de Barros vai ser a bala! Nós agora é que arrecém vamos começar a luta. Até agora ela esteve se realizando como um tabuleiro de num… num tabuleiro de xadrez. Agora é que nós vamos pôr à prova, vamos comprovar a covardia destes traidores do povo e da pátria.

Atenção, trabalhadores de São Paulo! Atenção, trabalhadores da Guanabara, trabalhadores do Nordeste e de Minas Gerais. A nossa palavra , a partir de hoje, é a greve geral dos trabalhadores. Somente na área do III Exército e onde atuem as forças que lutam ao lado do povo e dos nossos direitos é que os trabalhadores devem redobrar as suas atividades. Nós, neste momento, já recebemos a comunicação que no Estado da Guanabara parou tudo! Greve geral no Rio de Janeiro. Pararam as barcas. Pararam os trens da Central e da Leopoldina. Amanhã irão parar os metalúrgicos, os serviços de transporte, o DPT e as comunicações. Amanhã, greve geral na Guanabara. E nós, aqui, nos dirigimos ao operariado paulista, aos trabalhadores de São Paulo, aos trabalhadores da Petrobrás, da refinaria, da refinaria do Cubatão. Parem! Greve dos trabalhadores de São Paulo, para defender o próprio direito de greve das classes trabalhadoras!

Nós, como afirmamos, não tomamos a iniciativa da violência. Nós não começamos a violência. Foram eles que começaram. Pois agora eles irão tê-la. A resposta do povo gaúcho à insurreição golpista, à violência contra os nossos direitos e liberdades , meus patrícios e irmãos, será, primeiro, a ajuda às tropas do III Exército, da 5ª Zona Aérea e da Brigada Militar. Segundo, organização de corpos provisórios para aglutinação do elemento civil, sua organização para participação na luta ao lado das gloriosas forças legalistas do III Exército e da Brigada Militar.

Nós, desde já, conclamamos aos nosso chefes e dirigentes do interior: passem a reunir companheiros, centenas, milhares de companheiros para serem selecionados e organizados para a grande marcha que haveremos de realizar, ao lado de nossos irmãos de todos os recantos da pátria, para a conquista das reformas e para a libertação do povo brasileiro da espoliação do capitalismo internacional.

Pedimos ao povo gaúcho e ao povo brasileiro que acompanhe as transmissões da Rede da Legalidade que estamos fazendo de Porto Alegre. E aos tartufos, aos traidores, aos golpistas, aos gorilas, nós daqui declaramos, a eles declaramos que eles não perdem por esperar, não perdem por esperar. Eles irão prestar contas ao povo brasileiro pelos crimes que estão cometendo contra a Constituição, contra os direitos e conquistas democráticas do nosso povo. E a eles nos queremos dizer: conosco não pegam estas mistificações, esta onda que aí fazem de que nós somos subversivos, que somos anarquistas, que somos extremistas, que somos comunistas, isso e aquilo. A eles nós queremos dizer: vermelho é o sangue de gaúcho e de brasileiro que corre nas nossas veias.

Nós diremos ainda, meus patrícios e irmãos, que devemos, de agora em diante, agir com firmeza e energia, sem perder a nossa cabeça e a nossa se… a nossa serenidade. Precisamos agir com firmeza e energia, mas com serenidade e confiança. Eu quero vos dizer que o meu lugar, povo gaúcho, é aqui convosco, é aqui ao vosso lado, para as lutas, as glórias e os sofrimentos do nosso povo, que caminha, que anda, que vai, incoercivelmente, progredindo, avançando em busca de sua libertação e da realização de uma sociedade justa, humana e verdadeiramente cristã, dentro das nossas fronteiras.

Porto Alegre é um lugar histórico e, hoje, é o centro, novamente, da resistência.

O Governo do Estado parece que até já abandonou a sua sede. Segundo se informa, segundo, segundo se informa, o Governador já anda lá por Uruguaiana. Outros dizem que foi se esconder na praia do Quintão. Outros, ainda, informam que está em baixo de uma cama, em algum lugar, aqui mesmo por Porto Alegre. Mas o mais certo é imaginarmos que o seu paradouro deve ser em algum lugar próximo da fronteira argentina ou da fronteira do Uruguai, para fugir da justiça do povo gaúcho, porque ele lançou um manifesto traindo a consciência democrática do nosso povo.

Porto Alegre é um lugar histórico, Porto Alegre é um lugar histórico, e eu, há muito tempo que eu venho dizendo que os destinos deste país, a chamada crise brasileira, vai, ía e vai ter a sua solução exatamente aqui em Porto Alegre.
(O discurso do Brizola foi gravado e transcrito em trabalho primoroso sobre o golpe feito por Ubirajara Passos) 


Na manhã seguinte, 2 de abril, após o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, implementar o golpe de Estado, em plena sessão do Congresso Nacional, daquela madrugada, iniciada às 11 h do dia 1º, declarando vaga a presidência da República, sob o pretexto completamente falacioso e inverídico de que Jango havia abandonado o território nacional, e empossando seu colega, o presidente da Câmara dos Deputados Ranieri Mazzili na Presidência.

Jango, sabedor da presença de uma força tarefa de fuzileiros navais yankees postada nas águas territoriais brasileiras, em frente a Vitória (capital do Espírito Santo), pronta a apoiar militarmente os golpistas, após longa reunião com Brizola, líderes trabalhistas e generais do III Exército, renuncia implicitamente, negando-se a resistir. Dirige-se a São Borja e, depois, ao exílio na Argentina.


A cadeia da Legalidade é encerrada, na tarde de 2 de abril, com melancólico discurso do prefeito Sereno Chaise, que transmite a recomendação de Brizola, pedindo "coragem e serenidade diante do fato consumado". Frustrados e desmotivados pela desistência do líder institucional, o Presidente da República, os trabalhadores encerraram as greves gerais e outros atos de resistência iniciados, bem como as forças militares legalistas e nacionalistas de Oromar Osório e do Almirante Aragão não implementariam os atos reclamados no discurso de Leonel Brizola que, após permanecer por mais de um mês na clandestinidade, percorrendo o interior do Rio Grande do Sul e do Brasil, se exilaria no Uruguai, de lá tentando, nos primeiros anos, organizar uma guerrilha.
(Com base no texto de Ubirajara Passos)

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