Avelino Ferreira, 63 anos, brasileiro, casado, sete filhos, sete netos. Jornalista; escritor; professor de Filosofia.







domingo, 29 de julho de 2012

Livro conta a verdade sobre a guerrilha do Araguaia


Do meu amigo jornalista Huimberto Rangel,  recebi a matéria abaixo (publico em parte):

"Houve extermínio na Guerrilha do Araguaia"

Depois de 10 anos de pesquisa e viagens, jornalista capixaba Leonêncio Nossa publica livro em que detalha a barbárie na selva amazônica


O lado burocrático da História e as versões da esquerda e da direita ficaram para trás em um livro que desnuda, pela primeira vez à luz de quem viveu na região, um sangrento e bárbaro capítulo da ditadura no Brasil: a Guerrilha do Araguaia. O jornalista capixaba Leonencio Nossa mergulhou, nos últimos 10 anos, em centenas de documentos inéditos e entrevistas e fez mais de 40 viagens, tudo para apresentar em “Mata! O Major Curió e as guerrilhas do Araguaia” um panorama revelador daquele movimento armado.
 
No início dos anos 70, militantes do PCdoB tentaram derrubar a ditadura a partir do campo e implantar um socialismo maoista no país. No livro, lançamento da Companhia das Letras entre os mais vendidos, Leonencio, premiado repórter do jornal O Estado de S. Paulo, traz revelações da tortura de camponeses, execuções e decapitações de guerrilheiros – havia quatro capixabas no grupo. 

O autor teve acesso exclusivo ao arquivo pessoal do Major Curió, cabeça da repressão da ditadura aos “comunistas” no Bico do Papagaio (confluência dos rios Araguaia e Tocantins). “Mata” ainda propõe uma reflexão sobre os conflitos sociais e fundiários do país. 
foto: André Dusek

“O drama do Araguaia continua, com a recusa do Estado em contar a verdade às famílias. O Araguaia é um crime continuado”

Na primeira viagem à região, já estava certo de que escreveria um livro sobre a guerrilha. Nunca desisti no longo tempo tentando acesso ao arquivo do oficial do Exército. O tempo foi aliado na busca por informações  para entender o país. A persistência me permitiu  conhecer testemunhas desse capítulo dramático da História. 

Foi difícil conquistar a confiança de 150 entrevistados? Por que não usou informações em off, buscou fontes abertas e evitou o relato ideológico? 

Vieram à tona relatos bastante questionáveis. Daí, procurei  informações de fontes que pudessem mostrar o rosto. Sempre busquei confrontar as versões. Não creio em histórias contadas só por um arquivo ou fonte. A guerrilha sempre foi estudada como um capítulo da Guerra Fria. Considero essa leitura frágil, pois desconsidera as raízes do Exército e do movimento guerrilheiro. Para entender o Araguaia, é preciso compreender a formação de um país que teve a violência como um dos pilares. Minha obsessão foi contar uma história do Brasil do ponto de vista das pessoas do Araguaia. É limitado e arrogante enxergar o país apenas com olhos de São Paulo, Rio e Brasília. Mulheres de cabarés, barqueiros e pistoleiros  podem apresentar suas versões sobre a história, que não é exclusividade de historiadores ou jornalistas.

Dos 69 mortos, 41 tinham sido fuzilados depois de presos. Antes o número era de 25 prisioneiros mortos. A Guerra Fria justificava os temores de  revolução vinda do campo?

Abater prisioneiros foi um erro máximo, histórico. O país recuou mais uma vez no tempo, cometeu uma barbárie. O repúdio ao crime de guerra - a violência contra o vencido - pode ser uma posição frágil, mas é honesta e imprescindível em qualquer sociedade de valores decentes. Podemos até compreender a morte em um embate entre duas pessoas armadas. Quando apenas um lado está armado, fica impossível enxergar algo normal. Isso seria rasgar o discurso humanista.

Você defende que a ação do Exército não foi bancada por radicais, mas uma operação de guerra do governo para apagar a memória.

Militares, filhos de militares e setores conservadores defenderam que a matança no Araguaia resultou de ações isoladas ou de nativos. Uma tese na Universidade de Brasília chegou a afirmar que o corte de cabeça de guerrilheiros pode ser explicado pela cultura dos índios suruís, usados como guias pelo Exército. É difícil aceitar a teoria. Os suruís temem o desmembramento do corpo. Apresento no livro um organograma da repressão para mostrar que houve uma política de extermínio de adversários do regime. O Palácio do Planalto tinha plena consciência da barbárie. A ordem partia de cima. Não há registro de índio cortador de cabeça de guerrilheiro. A barbárie foi organizada por homens do Estado.

A guerrilha seria um novo front de resistência pós-1968, depois do AI-5, para jovens estudantes urbanos?

O debate político atual forjou fraudes históricas. Setores que se intitulam de direita minimizam a barbárie e afirmam que houve um embate entre militares e a esquerda armada. Houve, sim, um Estado totalitário que matava não apenas representantes da esquerda radical como pessoas moderadas, nas cidades e no Araguaia. Por outro lado, setores de esquerda mitificaram propostas e ideias autoritárias e antidemocráticas, como a da própria formação da guerrilha por líderes do PCdoB. 

Na evolução do movimento guerrilheiro na Amazônia, o Estado passa a sufocar e reduzir o diálogo com seus opositores. Já fui criticado por usar o termo resistência. Os primeiros guerrilheiros chegaram à região em 1966, período ainda brando da ditadura. Mas a guerrilha só ganhou força com a chegada de perseguidos nas grandes cidades, após o AI-5. O passado não pode ser manipulado para atender o jogo político do presente.

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