Avelino Ferreira, 63 anos, brasileiro, casado, sete filhos, sete netos. Jornalista; escritor; professor de Filosofia.







quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Uma reflexão sobre o regime neste momento de crise

O baixo rendimento da nossa democracia

Dizia-se, há um tempo não muito distante, que o povo (sempre a maioria, claro) não estava preparado para a democracia. Era um discurso daqueles que defendiam a ditadura. Fomos contra e acreditávamos que a democracia daria as condições necessárias para a participação do povo e a evolução da informação proporcionaria uma evolução da mentalidade e, de resto, propiciaria a participação nas decisões, por via parlamentar livre ou, mesmo, via processo associativo.

Passados 30 anos do início da nossa redemocratização, chego a uma conclusão nada agradável às lentes daqueles que, como eu, defendiam a democracia. Claro que não advogo um regime que não seja democrático. Todavia, temos um obstáculo a transpor: o baixo rendimento do nosso sistema democrático. Constato que esse baixo rendimento está relacionado à falta de politização da sociedade, a começar pelos professores em todos os níveis. Os que são politizados têm, como discurso principal, a culpabilidade dos governos que não atendem às demandas sociais. Enganam-se a si mesmos ou o fazem propositalmente, porque são covardes e temerosos de culparem a si e ao povo.

Recorro a pensador italiano Noberto Bobbio para dizer o que já sabemos de cor e salteado: “quando os proprietários eram os únicos que tinham direito de voto, era natural que pedissem ao poder público o exercício de apenas uma função primária: a proteção da propriedade”. Ou então, ao discurso do Estado Mínimo, quando as respostas às demandas são de responsabilidade da própria sociedade, como nos EUA, onde quem não tem dinheiro morre nas portas dos hospitais e não se culpa os governos. No máximo, os planos de saúde. Via de regra, a culpa é da pessoa que não conseguiu uma vida digna na “terra das oportunidades”.

Bobbio cita Tocqueville, em discurso na Câmara em 1848, quando o pensador francês disse que os interesses particulares sobrepunham aos interesses comuns. Prevalecia, e hoje mais que nunca, o voto de permuta ou “uma moral baixa e vulgar” de quem colocava os interesses políticos aquém dos interesses particulares. Hoje, mais que ontem, prevalece o voto clientelar.

A democracia, mesmo que de direitos, mesmo que formal, fez com que a sociedade se tornasse uma fonte inesgotável de demandas dirigidas ao governo que não tem, nem terá, condições de dar respostas adequadas. O governo tem que escolher entre as demandas aquelas que atendem aos que mais necessitam do poder público. E isso insatisfaz a uma grande parte da sociedade. Cada parte (e são inúmeras) querem suas demandas atendidas e sempre as colocam como prioritárias.

Noberto Bobbio pergunta, então: “como pode o governo responder se as demandas que provêm da sociedade livre e emancipada são sempre mais numerosas, sempre mais urgentes, sempre mais onerosas?” “A quantidade e a rapidez dessas demandas são de tal ordem que nenhum sistema político, por mais eficiente que seja, pode a elas responder adequadamente”. E prossegue: “Daí derivam a assim chamada “sobrecarga” e a necessidade de o sistema político fazer drásticas opções. Mas uma opção exclui a outra. E as opções não satisfatórias criam descontentamento”.

Num sistema autocrático, citando ainda Bobbio, pode-se controlar a demanda sufocando a autonomia civil. Um sistema autocrático é mais rápido nas decisões por não ter que observar os complexos procedimentos decisórios próprios de um sistema parlamentar. “Sinteticamente – diz ele – a democracia tem a demanda fácil e a resposta difícil; a autocracia, ao contrário, está em condições de tornar a demanda difícil e dispõe de maior facilidade para dar a resposta”.

Por outro lado, o próprio Bobbio reconhece que não há um regime melhor que a democracia, embora o sistema deva ser socialista. A tolerância hoje (a despeito de que quem acompanhe a mídia tenha uma ideia diferente por falta de leitura mais ampliada e aprofundada) é muito maior que antes. Como sempre digo, o mundo caminha sempre para melhor. Nos países que eliminaram (ou quase) os graves problemas sociais, a violência é diminuta. A violência cotidiana está nos resquícios da Idade Média que ficaram. Como exemplo, a intolerância religiosa. E, claro, naquela parcela imensa que ainda está fora do que denominamos vida digna.

Por fim, temos que nos acostumar com a democracia, em não ver no adversário o inimigo, em entender que os problemas que afligem a sociedade são maiores que os nossos, particulares, e que temos que caminhar para uma democracia plena, para o socialismo. Bobbio cita Hegel para dizer que a história da humanidade é (até sua -de Hegel- época) um “imenso matadouro”. Claro que tivemos recentemente a Segunda Grande Guerra e a matança provocada por ela. Hoje, a matança está no fundamentalismo religioso e no desprezo dos ex-colonizadores para com os ex-colonizados.

Mas a democracia vai se tornando um costume e a nossa tarefa - permanente, eu diria - é aperfeiçoá-la. No Brasil, começando pela politização do nosso povo, a luta por uma justa distribuição da riqueza, o imposto sobre as fortunas arrecadadas pelas seitas religiosas, o imposto sobre grandes fortunas, o fim do direito de herança (acima de R$ 5 milhões, por exemplo)  e um combate acirrado ao voto em troca de favores.    

Avelino Ferreira

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