Avelino Ferreira, 63 anos, brasileiro, casado, sete filhos, sete netos. Jornalista; escritor; professor de Filosofia.







terça-feira, 19 de janeiro de 2016

São Sebastião, a história de um mártir

Amanhã, dia 20, é dia de São Sebastião, com as festividades no distrito homônimo na Baixada. Se no Rio de Janeiro o santo ganhou feriado, por aqui anda meio esquecido, na sombra de Santo Amaro. Para quem se interessa pelas histórias ou lendas cristãs, a leitura do texto abaixo é interessante. Registre-se que as comemorações a São Sebastião começaram em 1786, sendo uma das mais antigas festas religiosas de Campos.   

Sebastião
Cristão da Era dos Mártires
           

O cristianismo foi transformado e solidificado por intermédio de Saul (ou Saulo, nome judeu) ou Paulo (nome romano), da cidade de Tarso, região da Cilícia, território da Turquia. Saulo (ou Paulo) era um pensador que, após perseguir os cristãos, abraçou a causa de Joshua ou Jesus, de Nazaré, e fez as alterações necessárias à fundamentação de uma religião, mantendo a base das pregações originais daquele homem que condenava a escravidão e a riqueza. O cristianismo de Paulo, porém, além de não condenar a riqueza, admitia a escravidão. Com Paulo o cristianismo cresceu tanto que seus opositores sentiram-se ameaçados; e as perseguições aos cristãos foram se intensificando.

            Durante os últimos anos do império de Diocleciano (284 a 311), a perseguição aos cristãos foi implacável. Diocleciano organizou a monarquia no mais extremo absolutismo, abolindo os últimos vestígios republicanos. Foi o primeiro imperador que revestiu-se com uma capa de terror e, à maneira dos monarcas orientais, exigia veneração à sua figura; qualquer um que se negasse a se sacrificar por ele era perseguido e sofria pressões de toda ordem, inclusive tortura e morte.

            Galério, militar que governava as províncias orientais, era um dos mais terríveis perseguidores de cristãos. Chegou a propor a Diocleciano que todo aquele que se recusasse aos sacrifícios em nome do imperador fosse queimado vivo. Diocleciano não queria tanto, mas infligiu aos cristãos “penalidades rigorosas e eficazes” (Wells. H.G. Livro 2, páginas 261/262). De fato, Diocleciano decretou que os templos dos cristãos fossem demolidos “até os alicerces” e que fossem punidos com pena de morte todos os suspeitos de celebrar reuniões secretas para o fim de culto religioso. Os filósofos que dirigiram a perseguição ao cristianismo sugeriram que os bispos e presbíteros entregassem todos os livros considerados sagrados aos magistrados, para que fossem queimados em praça pública. Diocleciano decretou também o imediato confisco de todos os bens da religião, que foram vendidos em leilão ou unidos ao domínio imperial.

            Mas os cristãos continuaram resistindo, reunindo-se às escondidas. Diocleciano decretou, então, que todo aquele que rejeitasse a religião da Natureza, de Roma e dos seus antepassados fosse submetido “às mais intoleráveis e ásperas condições” (Wells, Op. cit.). Os cristãos nascidos livres foram declarados incapazes de ter quaisquer honras ou exercer quaisquer empregos. Os escravos foram privados para sempre de quaisquer esperanças de liberdade. Os cristãos foram colocados fora da lei. Os juízes foram autorizados a determinar toda e qualquer ação solicitada contra os cristãos. Já estes não poderiam se queixar de absolutamente nada. Quando este edito (decreto) foi afixado em Nicomédia, um cristão o arrancou, rasgou e discursou contra o imperador. Foi preso e assado a fogo lento, para servir de exemplo. A história não registrou o nome daquele mártir. A partir da rebeldia desse cristão, a perseguição tornou-se mais feroz, cruel. E iniciou-se a Era dos Mártires, que foi do ano de 303 ao ano 311, época em que, por qualquer motivo, cristãos eram torturados e mortos.

            Acabaram-se as perseguições e os martírios quando Constantino assumiu parte do poder, em 312, adotando medidas de proteção aos cristãos e, em 324, já como imperador, estabeleceu, como religião oficial, o cristianismo. Foi um golpe duro nos seus pares e em todos aqueles que se acostumaram a humilhar e roubar os que deles discordassem, principalmente as pessoas acusadas de estarem ligadas à seita cristã. No leito de morte, Constantino converteu-se ao cristianismo.

            Sebastião foi um desses mártires que preferiram morrer a negar a sua fé no Deus cristão. Soldado e servidor do Império, em Milão, foi nomeado, por seu valor, capitão da primeira Corte da Guarda Pretoriana (ou seja, a Guarda do Imperador). Mas Sebastião negou-se a cumprir determinadas ordens do imperador contra os cristãos e, inquirido, confessou ser um cristão. Diocleciano, que nutria admiração por ele, aconselhou-o a negar sua fé. Sebastião manteve-se firme e acabou destituído da Guarda e entregue a um pelotão para ser torturado e morto.  Considerado traidor, Sebastião foi espancado, amarrado num tronco e alvejado várias vezes com flechas. Sangrando muito, foi deixado no tronco, ou porque pensassem os soldados que ele estava morto, ou para que morresse lentamente. No entanto, uma mulher, Irene, esposa de um mártir (Cástulo), passando pelo local, decidiu retirar o corpo de Sebastião e sepultá-lo. Surpresa, constatou que ele ainda estava vivo. Tratou dele e, tempos depois, estava Sebastião novamente desafiando o imperador e seu séquito.

            Preso novamente, Sebastião, por ordem do imperador, foi espancado até a morte. Alguns religiosos dizem que ele foi morto a pauladas. O fato é que Sebastião foi torturado até a morte, mas não negou a sua fé nem a sua religião. O ano de sua morte, segundo a Igreja, é 303. No entanto, não há registros que confirmem esta data, o que gera dúvidas quanto à morte de Sebastião e de outros cristãos.  A Igreja tem sua própria história e este trabalho não pretende colocar em xeque os registros eclesiásticos. Antes, pretende registrar a fé no sagrado, representado pela figura de São Sebastião, preservando os fatos nos quais os cristãos acreditam. Crença tão forte que atravessa os séculos e chega vivificada ao terceiro milênio. 

            No livro O Santo do Dia, Dom Servílio Conti afirma ser 303 o ano do martírio de Sebastião. O militar foi sacrificado por não negar sua fé e proteger os cristãos e, por isso, foi santificado pela Igreja Católica, que se tornou religião oficial pouco tempo depois, em 325, quando foi realizado o primeiro Concílio Geral (ecumênico) do mundo cristão, sob o império de Constantino.

            No Cânon dos Mártires ou Martirológio Romano (local em Roma com o nome dos mártires e a história de seus martírios) consta o nome de Sebastião, inscrito em 354, data provável de sua santificação. A imagem conhecida e cultuada de São Sebastião (do seu corpo amarrado a um tronco de árvore e flechado) foi imortalizada pelos pintores da Renascença.

            Não há provas, mas teria sido Santo Ambrósio que escreveu sobre Sebastião. Segundo ele, Sebastião nasceu em Narbona, Milão, onde também estudou. Não gostaria de ser militar, mas na tentativa de defender os cristãos, ingressou no exército, em Roma, ainda no tempo do imperador Carino, em 283 d.C. Este imperador foi morto por Diocleciano, que assumiu o poder. Admirador de Sebastião por sua coragem e bravura, Diocleciano nomeou-o centurião (do latim centurione que significa comandante de uma centúria, uma companhia de 100 soldados da milícia romana) de uma guarda pretoriana (do latim praetorianu, guarda dos imperadores da Roma antiga), uma grande honra para qualquer soldado. Diocleciano foi para o Oriente e deixou em seu lugar seu  amigo Maximiano, que também admirava Sebastião por sua lealdade e bravura.

            Todavia, as perseguições aos cristãos tornavam-se cada vez mais intensas. O papa Caio, eleito em 283, foi perseguido em Roma e escondeu-se no Palácio Imperial, nos aposentos de Cástulo. Mas os romanos, comandados por Maximiano, prenderam os cristãos confessos e torturou-os até a morte. Assim foi com uma mulher chamada Zoé, que foi pendurada pelos calcanhares sobre uma fogueira e morreu sufocada pela fumaça; Tranquilino foi apedrejado até a morte; Nicóstrato, Cláudio, Castório e Vitorino foram presos, torturados e lançados ao mar; Tibúrcio foi decapitado; Cástulo, traído por um amigo, acabou preso e enterrado vivo; Marcos e Marceliano foram pregados pelos pés, de cabeça para baixo, numa árvore; em seguida, assassinados a flechadas.

            Contra essas atrocidades lutara Sebastião, que tentava, a todo custo, proteger seus irmãos de fé. Mas a proteção aos cristãos custou sua vida. Diocleciano, ao saber que Sebastião ajudava os cristãos censurou-lhe e entregou-o aos arqueiros da Mauritânia para ser executado. Dado como morto, foi, no entanto, salvo pela viúva de Cástulo. Recuperado, em vez de fugir voltou a ocupar seu posto na guarda pretoriana e discutiu com Diocleciano. Este, após a surpresa (pois o considerava morto), chamou os guardas e ordenou-lhes que espancassem Sebastião até a morte. Seu corpo foi sepultado por uma moça chamada Lucina num lugar denominado ad catacumbas, onde depois foi erigida a Basílica de São Sebastião. Estes dados foram recolhidos por Butler que escreveu o livro Vida dos Santos (Volume I, páginas 173-175). O autor, no entanto, não afirma ser verdade os fatos narrados em minúcias. Mas não tem dúvida de que Sebastião foi martirizado por ordem de Diocleciano e sepultado na Via Ápia, bem próximo onde depois foi erguida a Basílica de São Sebastião, no cemitério ad catacumbas.

            No que tange a representação de São Sebastião trespassado por flechas, Butler diz que “tal fato se deve aos artistas da Baixa Idade Média”; e relata que um mosaico, provavelmente do ano 680, existente em San Pietro Vincoli, mostra São Sebastião de barba, levando em uma das mãos uma coroa de martírio. E que em um vitral da catedral de Estrasburgo o santo aparece como um cavaleiro com espada e escudo, mas sem flecha. O que se sabe é que há uma lenda segundo a qual São Sebastião enfrentou bravamente uma nuvem de flechas, sem sofrer um arranhão; por isso, passou a ser patrono de arqueiros e soldados. O santo também era invocado contra doenças contagiosas e contra pragas. 


            Sebastião é homenageado e festejado pelos devotos no dia 20 de janeiro. Além da própria cidade do Rio de Janeiro, muitas igrejas e paróquias no Brasil têm São Sebastião como padroeiro. Em Campos a primeira capela em seu louvor foi erguida na localidade que recebeu o seu nome e consta que é a segunda mais antiga da Baixada Campista. Lá, o santo é festejado desde 1786, sendo uma das mais antigas manifestações religiosas do município e do país.
(Trecho do meu trabalho sobre São Sebastião que espera por impressão)

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